EPAMINONDAS




Estava eu em uma fase belissima da vida. 

Gastava meu tempo fazendo jingle para marcas em geral; refrigerante, shampoo, chocolates e afins. 

Um dia acertei uma bolada em uma jingle e notei que nao precisaria voltar a trabalhar tao cedo.


Com isso resolvi ir para algum lugar ermo, treinar minhas faculdades.


Ler mais, cortar madeira, escrever, sei la. Qualquer coisa. 




Eu tinha 43 anos de idade, havia viajado bastante mundo afora, havia varios lugares ermos pra ir.



Escolhi um onde. 

Juntei itens indispensaveis e fui. 

Foram 9 dias de viajem e la estava.


O lugar realmente era um espetaculo.


 Sem sinais de transito, guardas, calçadas, assaltos, satisfações. Nada. Somente eu e minha existencia. 


Fiquei semanas la com minha barraca, até decidir que por la faria uma casa de madeira. 

Se aparecesse alguem pra reclamar da minha estadia ali, eu simplismente

me mudaria pra um proximo. Mas, sinceramente, nao viria ninguem aqui. Nao é turistico, nao ha nada perto. 

Só mais um lindo lugar esquecido pelo mundo. 



Foram longas semanas de; serra madeira, prega madeira, encaixa, tira, poe, mede, martela dedo, e assim vai.


A vida andava em bons ventos nessa epoca, eu construia a casa, cuidava das galinhas que levei, construi um galinheirinho, uma horta. 

E como era verao, eu conseguia pescar no lago em frente.




Haviam varias montanhas a minha frente. Eu buscava subi las quando sobrava energia.

Nem sempre sobrava mas dava pra variar, entre construir e caminhar. 



Com o fim da construcao da casa, decidi colocar minhas energias na tentavida de chegar ao cume da Montanha Central



que apelidei de Pinaculo da Tentaçao. 


O pinaculo exigia uma certa cautela pois haviam centenas de rochas soltas em todo percurso até o cume. Rochas do tamanho de geladeiras. Outras menores.

E eu nao queria que fizessem um filme meu com braço preso por alguma rocha ou algo assim.




Na primeira investida nao obtive sucesso, começou a chover. Tive que me abrigar por umas horas e voltar para casa.


Normal, nem sempre se consegue o que quer neh.




Na segunda vez, levei menos peso, podendo assim ter mais velocidade. 


Falhei mais uma vez. Me embrenhei em partes que nao tinha pra onde ir. Desisti voltei.




O bom de tentar muitas vezes é que vai aprendendo como NAO fazer. Dai se evita esses caminhos que aprendemos ser ineficazes.

Acredito que foram oito tentativas ate que finalmente eu conseguisse, entre trampos e barrancos, chegar ao CUME.


Chegando no cume, notei algo diferente. Marcas de trilhas, nao muito bem definidas, mas notava-se que


alguem passava por ali vez ou outra.


Fui caminhando pelo que podemos chamar de Trilha.


Nao demorou muito e notei que havia uma caverna, com uma porta de madeira construida rusticamente. E de la saia um som. Um canto;




"Sou eu o uuuuunico, 


sua dor me consome,


colorir com curcuma


enganando minha foooooooomeeeeee"




...sim, alguem la dentro cantava, alegremente, descontraidamente.


Nunca tive medo de seres vivos por varios motivos, e desse senti menos ainda.




- Ô DE CASA. - Gritei




a musica continuou




"Ahhhhh, um brocolis coziiiido no vapooor,


calmamente acalienta minha doooor,


dooor que carrego por nao mais te teeeer,


door que carrego por ainda viveeeeeeeeeer"




Gritei novamente com mais força:




- Ô DE CAAASA. - Insisti.




A musica parou.




Passou-se um tempinho e 


A porta da caverna se abriu. Saiu de la um senhor com olhar curioso, olhando pros dois lados procurando de onde vinha o grito.


Nao consegui dizer quantos anos tinha esse Senhor, parecia jovem na forma de se mover, mas com cabelos e barbas brancas. Eu chutaria 45 anos, 50, 60. 

 




- Quem ousa interromper meu canto? - perguntou


- Nao sei se podemos chamar isso de canto. - retruquei


 Ele olhou em minha direcao, deu um sorriso como se me conhecesse.




- Sua casa de madeira la embaixo esta cada vez melhor. Ando vendo seus avanços.


- É. O telhado ta com umas goteiras. Farei uns reparos. Enfim, prazer, Davos. - disse a ele, espantado por saber quem eu era e onde morava.

- Prazer Epaminondas. - disse ele - Venha, chegue mais, entre e conheça meu exilio. - Arreganhou a porta.




Eu que estava em um barranco alto, desci, andei por uma pequena planicie que ficava em frente sua porta, andei uns 30 passos, 

Cheguei em frente a ele e fiz uma saudação.


Ele fez sinal de "seja bem vindo". Entrei.




O caverna era maravilinda. 


O chao era batido mas limpo e bem regular. Nas paredes que eram de rocha solida, haviam espaços como se fossem prateleiras e la


se via, roupas, na parte designada como quarto, panelas, na parte designada como cozinha. Nao havia divisao. Era tudo um grande salao. 


Por um buraco no teto da caverna se saia a fumaça do fogao, que tambem aquecia o lugar. Era tudo muito bem feito. Fiquei perplexo.




- Voce é o primeiro que pisa aqui. - disse.


 Eu nao respondi nada pq tava olhando pra tudo como visitante dentro da capela sistina.


- aceita um cha?


- sim, claro. 




- Eu vou cortar toda perguntação tipo; "de onde voce é, de onde veio", para ir direto pro "por que?" - .


- Por que. Boa pergunta.  - disse ele de costas enquanto esquentava a agua.


- Bem. Tentarei ser breve. Fiquei muito entediado com os caminhos que a sociedade estava tomando, e que automaticamente me forçava a seguir. 


Eu deveria trabalhar de tal a tal dia, ser bem sucedido nisso, gastar todo o dinheiro para mostrar o quao bem sucedido eu era, ou simplismente

para pagar todas as taxas que o governo me impunha. E tudo piorou quando


veio a televisao. Programas engessados, feitos para me deixar preso naquelas ideias. "Voce ja conhece o novo aspirados de po? Deixe seu carro ainda mais belo"...


e todo esse tipo de ideias. Meus pais haviam morrido a pouco. Achei q era a chance ideal para viver da maneira que achasse melhor. Ou como dizia o sabio "morrer


da forma que eu achasse melhor", e com isso sai da cidade, da sociedade e me mudei para ca. a muitas luas atras. A unica coisa que ainda me pega sao os livros.


Sempre que dá eu tento de alguma forma conseguir alguns. - fez uma palsa - desculpa, falei demais. Muito tempo que nao converso. Me empolguei.



- Que isso. Achei Belissima a forma de contar. Ce entao nao chegou a conhecer a internet?


- Nao. Sei um pouco do que se trata.


- É ainda pior que a Televisao. Tem muitos lados bons, mas ainda mais lados ruins acho, ce tem que ver. 

Eles criam formatos onde praticamente todos agem da mesma forma em determinada estacao, epoca, festividade.


Parece um monte de seres iguais, ninguem olha ao redor. mas é isso, cada um escolhe viver da forma que achar melhor, ja dizia o sabio. - finalizei


- é isso ai hahahaha. - epaminondas adorava rir.


- mas porra, a sociedade tem la seus lados bons. - retruquei a mim mesmo.


- claro que tem. Eu que sou esquisito mesmo. Se a pessoa for considerada normal, é bom. Se tiver as caracteristicas necessarias e nao for pobre principalmente.


 Se for dentro dos padroes é bom. - ele deu uma pausa pegou o cha. serviu.


   


- posso conseguir uns livros pra tu, oh homem de las cavernas. - disse apos uma boa golada.


 Ele deu um espasmo como se tivesse tomado um choque.


- pode mesmo? - perguntou.


- Claro que posso. - dei um sorriso.


Quando vi ja estava ele la fazendo lista de livros que queria, uns do kafka, Tolstoy, Dosto e uns pergaminhos chineses que nunca ouvi falar...




- Eu posso te ajudar com seu telhado como pagamento. - disse Epaminondas.


- Nao precisa. Faço por gosto, caso um dia queira, desce la e me faça uma visita. Sem obrigacoes. 




Terminei meu copo de cha, e nao quis tarda muito. Ainda teria uma longa descida até minha pequena casa.


Me despedi, prometi que quando voltasse, traria algum livro.




Desci. 

Engraçado, notei que minha casa vista de longe, era um pouco torta pro lado. Nao sei se sou tao bom construtor assim, mas funciona.

É o que interessa neh.


Dias se passaram.

 Foquei em tentar escrever um conto, sempre gostei de gastar onda nisso.


Nao fui muito longe, tava sem ideias. Pensei em escrever sobre um velho sabio que morava no alto da montanha mas ja existe tantas historias assim. Por fim desisti.


Comecei a vasculhar uma mala velha, nela continha alguns livros, fotos, cds velhos que nunca ouvirei pois nao se usa mais Som de Cd. Entre 


outras tralhas.


Achei os empoeirados, é assim que chamo meus livros. Pq é aquilo, se ja li, dificilmente irei ler novamente, salvo algumas exceçoes.


 Talvez ele goste desse livro do Goete, é meio triste mas nao faz diferença, é bom. Tem o crime e castigo tambem, mas acho que


ele ja leu. Diario de um subsolo ele leu tambem...ahhh tem o do Sartre, A idade da razao. Boa, ja sao dois entao. O do Goete e o do Sartre.




Umas duas semanas depois voltei la no cume do Pinaculo. Vi a fumacinha subindo la pela chamine da caverna. Dessa vez nao havia musica.


Dei uma pausa apressiando a vista. Desci o barranquinho.




- Ô de casa. 




   nada




- Ô DE CAAAASA. 




   Nada


- Ih deve ter morrido, esse povo isolado morre rapido. 




- Que ce ta resmungando ai sô? - disse epaminondas vindo do meio do mato carregando um feixe de lenha enorme.




- Ohh, Ce ta ai. Eu ja ia começar a procurar a pa pra cavar sua sepultura.




- Da um trabalho cavar cova meu amigo. - disse e riu.




- É eu sei, uma vez achei q tinha matado um cara, numa briga que a gente teve. Na verdade ele que queria me matar, ai ele caiu pra tras quando tentei me defender


e bateu com a nuca na quina da parede. Ai foi melaço descendo. Aquela loucura.


Enfim, fui cavar a cova, dei 300 pazadas e nao tinha chegado no Segundo palmo de profundidade. E no fim o cara tava vivim da silva.


Falou que se me ver, me mata. Nunca mais fui la. Eu heim. 




- Voce tem traços de uma pessoa violenta mesmo Senhor Davos.




- Eu boto terror mesmo. Se der mole comigo eu roubo essa sua caverna e ainda faço voce de tapete. Fica Ligado heim.




- HA HA HA HA HA. Que tapete feio ce ia ter. HA HA HA.




- hahahahahh. Mas enfim, trouxe livros. 




- Trouxe nada.




- Trouxe sim.




-  Deixover.




Abri a mochila tirei de la, O guia do mochileiro das galaxias volume 1, 2 e 3, O sofrimento do Jovem Werther, e A idade da Razao. Entreguei os a ele.


Que os examinou. 




- Oh, esses dois ai, sao tristes, tanto o do sartre como o do Goete, ai, pra balancear, eu trouxe esses 3 Guias do mochileiro, pra voce dar uma descontraida.




- Muitissimo Obrigado Meu caro Davos. Voce nao sabe a felicidade que estou sentindo. 




- Posso imaginar. Mas é isso. O que ce ta fazendo ai?




- Vou fazer uma janta. Gostaria que voce aceitasse jantar por aqui hoje. Como agradecimento.




- Eu animo.




   Ficamos ali um tempo do lado de fora picando a lenha recem coletada. Assim que terminou, foi la pra dentro e alimentou o fogao.


Que ele chama de dragao. 




 Enquanto o fogo ia pegando ele falou:




- Muitas vezes Davos, a pessoa é totalmente Apatica, sem brilho, quieta. Mas, quando escreve, consegue descrever coisas, lugares, emocoes.


Por isso gosto dos livros e nao tanto da sociedade. Um bom livro vale mais que um bom emprego.




- Ce fala isso pq ce nunca leu nada que eu escrevi. Ce ia parar de falar essas babozeiras. Tem livro ruim tambem ta. - disse a ele enquanto picava uns alhos




- Sempre tem. Mas nao é disso que estou falando Davos. Voce me irrita as vezes, sabia? - Disse e gargalhou.






  Essas visitas foram se tornando frequentes, eu ia la em cima, pelo menos 1 vez na semana.


 


  Um dia voltei la, nao tinha nada. Sò a caverna as prateleitas, coisas assim, Epaminondas nao tava mais la.


  Havia um bilhete "Querido Davos, muito obrigado pela companhia nesses meses que se passou, meu ciclo aqui se findou, vou procurar outro espaço para habitar.


                    Grande abraço. Epami."




  Essa noticia me pegou com uma certa tristeza e felicidade. 

  Epaminondas me lembrou que tudo passa. E agora eu tinha essa linda caverna pra visitar. Com tempo passei a morar nela, abandonei minha casa, trouxe minhas galinhas.

  Sera que um dia alguem aparece? fico a pensar, mas acho que nao. 

  Sigo tentando escrever contos, mas sem muito sucesso. 


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